ARTIGO DO DIA - Embriaguez ao volante: juiz não pode menosprezar a leiA- A+ 03/08/2010-09:30 | Autores: Luiz Flávio Gomes; Áurea Maria Ferraz de Sousa; LUIZ FLÁVIO GOMES
Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br - Pesquisadora: Áurea Maria Ferraz de Sousa.
Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Embriaguez ao volante: juiz não pode menosprezar a lei. Disponível em http://www.lfg.com.br - 03 de agosto de 2010.
Desde a promulgação da Lei 11.705/08, 2.302 mortes foram evitadas no país. A chamada lei seca produziu seu efeito preventivo durante um certo período. Hoje isso já se tornou questionável.
Recente decisão proferida pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina fixou entendimento, segundo o qual, o exame do bafômetro não é imprescindível para o prosseguimento da ação penal que averigua o crime previsto no artigo 306 do CTB: conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.
O acórdão decidiu reformar decisão de primeira instância (Comarca de São José), para determinar o prosseguimento de ação criminal contra motorista que se recusou a se submeter ao teste de alcoolemia. A juíza da primeira instância rejeitou a denúncia contra o motorista sob o argumento de faltar justa causa à ação penal, diante da inexistência de provas da embriaguez (ou seja: diante da inexistência de prova mínima sobre a exigência típica de 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue).
Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC
Recurso Criminal n. 2009.022814-8, de São José
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ARTIGO 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO). REJEIÇÃO DA DENÚNCIA POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INEXISTÊNCIA DE EXAME DE ALCOOLEMIA. RECUSA À REALIZAÇÃO DO EXAME PELO CONDUZIDO. PROVA TESTEMUNHAL QUE APONTA INDÍCIOS DE VISÍVEL ESTADO DE EMBRIAGUEZ. EXAME PERICIAL QUE PODE SER SUPRIDO POR OUTROS MEIOS DE PROVAS. PRECEDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CASSAÇÃO DA DECISÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Criticamos acirradamente a redação do artigo 306 ao mencionar os seis decigramas por litro de sangue, exigidos para a configuração do delito. Mas enquanto esse equívoco não for extirpado da letra da lei, a impunidade vai continuar no nosso país, não podendo o juiz, com seus critérios interpretativos, eliminar uma exigência típica. Se ela está na lei, o juiz deve atendê-la. Sua particular política criminal não tem o condão de revogar texto legal. O Direito penal é a barreira infranqueável da política criminal (escreveu Von Liszt). Nesse sentido o tipo penal é a Carta Magna do infrator. Se o tipo faz uma exigência incorreta (e para nós é incorreta), o sistema penal tem que se curvar a essa exigência. Sem prova mínima da taxa alcoólica exigida pela lei falta justa causa para a ação penal. Acertou a justiça de primeira instância. Errou (com a devida vênia) a justiça de segunda instância.
Outras provas são admitidas pelo Código de Trânsito, mas não para o efeito de provar a taxa alcoólica. Para esse feito só vale exame de sangue ou bafômetro (etilômetro). Fora disso, não há como comprovar a exigência legal. Sendo o tipo legal uma garantia, não pode o juiz se sobrepor a essa garantia mínima.
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